sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011


foto de Sarahdrianaflor.2010
UMA BACIA E UMA TOALHA


As coisas que sempre me surpreendem na Casa do Oleiro, são as mais simples e as mais inusitadas. Aquelas que você não espera que aconteçam, principalmente debaixo dos seus olhos. Algumas até dizemos espantados: - “Pelas barbas do profeta”! Isso não pode estar acontecendo!
Já vi muitas coisas maravilhosas, estranhas, entre os irmãos, já ouvi coisas que são extraordinárias, coisas que nem ouso contar sem a presença de quem vivenciou os fatos, pois são para por em dúvida sem que duas ou tres testemunhas o comprovem. Existem coisas, porém, que podem não ter nada de extraordinário, sobrenatural, mas que pela sua praticidade espiritual, movem as esferas celestiais e trazem maturidade.

Ele estava sempre lá, sentadinho no mesmo lugar! Quase todas as noites, exceto as noites de chuva, pois morava distante do lugar de reunião, cerca de 10 quilômetros, trecho sem ônibus e de mata.  Suas únicas frases eram rápidas saudações a um ou outro irmão, levantando uma bíblia surrada encadernada em couro cru, que ele dizia ser couro de cordeiro mesmo. Seu velho paletó preto, de gola e mangas encardidas, as tres únicas camisas xadrez e a calça de brim caqui sempre amassadas, mostravam claramente sua solidão. De fato nunca soubemos nada de sua família, nunca desejou falar sobre pessoas que sabíamos fizeram parte de sua vida, como irmãos, esposa e filhos. Alguns irmãos o tinham como um ancião de respeito, e proviam suas necessidades, como alimentos, e roupas, para as quais não dava tanta importância. A Bíblia, era como que uma espada apegada à sua mão. Onde quer que o avistássemos ela estava presa entre o polegar e o indicador. Carona de carro? Nem pensar.
- Se Deus tiver pressa que eu chegue a algum lugar, me tomará como tomou Filipe! – dizia rindo.
A Casa do Oleiro, era para ele, como que um lugar de restauração pessoal, nos confidenciou certa vez, quase que chorando, pois ali ouvia apenas o que Deus queria que ele ouvisse, por lábios que nunca o conheceram. Disse que nunca em momento algum Deus deixou de falar com ele na Casa do Oleiro. Certa vez brincou conosco, dizendo:
- Espero que Deus me deixe morrer aqui dentro!
Naquela noite, um estranho visitante, levantou uma questão sobre denominações. Assunto que nunca foi tratado na Casa. O cidadão desconhecido, falou sobre as portas do inferno não prevalecerem contra a Igreja: “mas isto aqui não é Igreja”, referindo-se a Casa do Oleiro como ‘isso aqui’. Costumávamos não discutir a origem da Casa, com ninguém, nem darmos explicações, quanto a existência organizacional da Casa. Bastava-nos estarmos ali, com muita ou pouca gente, orarmos e ouvirmos Deus falar com cada um, ou através de cada um. E o estranho tinha o direito de se manifestar, assim como todos tínhamos o direito de ficarmos calados. Não era a questão  defender nada, mas de ouvir, sem a necessidade de ter que falar justificar, defender. Bastava-nos apenas ouvir, acolher com mansidão o que fosse Palavra de Deus, e reter o que fosse bom para nos dar crescimento e Vida.
O homem insistia cm afirmações de que poderíamos incorrer em heresias, e grandes perigos de apostasias. Estávamos ouvindo. Silenciosos. Quando nosso homenzinho de paletó preto e camisa xadrez levantou-se e saiu da sala, ausentando-se por alguns instantes, enquanto o elemento estranho vociferava a respeito de maldições e malignidades que poderiam advir sobre nós se não nos filiássemos a alguma Igreja, institucionalizada.
Voltou o nosso homenzinho, com as mangas arregaçadas, uma bacia com água e uma toalha presa à cintura e se pos a lavar os pés dos presentes, silenciosamente.
O estranho falador, vendo aquilo, foi se afastando de costas em direção à porta da sala e disparou a correr pela rua, e nunca mais o vimos.
Houve um quebrantamento em nosso meio, naquele instante, e imediatamente álgüem providenciou pão e vinho, e adoramos a Deus, celebrando a morte e a ressurreição de Jesus. Foi uma longa noite de Paz e Crescimento em Amor na Casa do Oleiro.
Alguns meses depois disso, nosso homenzinho de paletó preto e camisa xadrez se foi... Nunca mais o vimos e nunca mais ouvimos falar dele. Tenho a sensação que foi tomado pelo Senhor e levado pra outro lugar, como Filipe.
Sua presença nos trouxe a experimentação da verdade pura de que onde estiverem dois ou tres reunidos em meu nome (de Jesus) ali ele, Jesus Cristo, estaria presente. Naquela noite senti – me parte dEle, mergulhado nEle, amado por Ele, seguro dos meus passos.
A Casa do Oleiro se fez o Cenáculo da Ultima Refeição.
Que noite tremenda.Todos ouvimos o cantar da roda...todos sorriamos como quem sonhava....
Jcflor-Daniel.

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