ENTRE O BEM E O MAL
Eram dois irmãos! Ele devia ter cerca de uns 37 anos e ela uns 32. Chegaram à casa ao entardecer. Era um desses dias quentes de verão. Ambos empresários bem sucedidos, e em plena ascensão no negócio de confecções. Haviam perdido uma irmã. Suicidio. Estavam um tanto transtornados, e cheios de conceitos religiosos, sobre o bem e o mal, sobre céu e inferno além dos preconceitos espirituais dos que possuem as chaves do inferno, abrem e fecham quando querem a quem querem e pelas razões que querem, a despeito de qualquer possibilidade de Amor e Misericórdia de Deus.
Entraram e foram logo tomando assento e fala, numa necessidade louca de desabafar e por para fora tudo o que a perda havia gerado em seus corações.
As fortalezas humanas, só as podemos conhecer em tempos de adversidades, quando o caos se instala em nossas vidas e os limites pessoais se destacam diante da dor, do sofrimento, da incompreensão e dos desafios à serenidade. Quando as respostas pacíficas que a fé, a confiança e a submissão à Soberania de Deus exigem de cada um de nós uma atitude de aceitação, sujeição produtiva e transformadora desse caos à nossa volta. Posicionamento criativo em função da Paz. Primeiramente da Paz Interior, depois da Paz aos que nos cercam envolvidos ou não com a circunstância – problema.
As perdas são desafios inigualáveis em nossas vidas. Por mais difíceis que sejam os afastamentos circunstanciais e temporários ainda garantem certa serenidade, mas a dor da perda definitiva, a dor da perda violenta, a dor da perda inaceitável provocada pela morte, gera conflitos na alma que nos impedem da lucidez, da coerência, da estabilidade emocional, do equilíbrio.
- Minha irmã foi para o inferno? – perguntou-me a moça, com voz embargada. - Ela era cristã!-continuou ele. – Era fiel! Vivia a Palavra. Algumas vezes até pregou em nossa igreja!
Confesso que minha alma sofreu nesse momento!
E quase que automaticamente respondi:
- Ela saiu de um inferno!
Fez se silencio na sala. Percebi certo ar de espanto, mesmo deles, e de algumas outras pessoas que estavam no ambiente. Um presbítero sisudo mostrou indignação e escândalo, porém não me abalei com nada, e fiquei aguardando alguma manifestação mais clara dos presentes no sentido de não concordância, porém o silêncio já bastava para que eu ouvisse em cada olhar um único grito:
- Você está louco?
Os paranóicos do legalismo por mais que almejem a Graça, não conseguem confiar nela, pois se sentem inseguros se não estiverem algemados às condenações e ao livramento da justiça própria. Se não puderem contar com os esforços pessoais por meio dos quais alcançam a salvação, jamais poderão crer na Misericórdia e na Graça. Jamais conseguirão desfrutar do AMOR AGAPE, DO PERDÃO INCONDICIONAL. Preferem viver como porteiros do Hades a serem pregoeiros da Justiça, preferem trancafiar almas no Inferno a pregarem aos espíritos em prisões.
Os religiosos acreditam que por seus méritos podem alcançar o perdão de Deus, enquanto vivem nesta terra, atrelados aos desejos pecaminosos, as decisões pecaminosas, aos atos pecaminosos, aos pensamentos pecaminosos, mas não conseguem admitir esse mesmo perdão ao seu semelhante por acreditarem que não lhe foi dado um tempo, para o arrependimento.
- ELA SAIU DE UM INFERNO! - tornei a dizer em tom mais seguro.
- O inferno no qual s sua alma havia mergulhado, lhe foi tão assustador quanto opressor, que ela não viu outra saída senão a fuga pelo suicídio. - prossegui. Não estou incentivando isso! Estou apenas vendo este fato em particular. Qual o limite de dor ela podia suportar? Qual o limite de medo? Até que ponto a angustia que a atormentava e consumia, estava além de suas capacidades de reações, de discernimento. Quem pode dizer se suas culpas não a fizeram transformar-se no seu próprio diabo, seu próprio satanás? Seriam tão infernais seus medos e inseguranças que preferiu fugir de si mesma e arriscar-se a um encontro com Deus do qual sempre esperou a Graça e a Misericórdia? O que não conseguia encontrar entre os homens. Não posso pensar de outro modo. Jesus disse que ele não veio condenar, mas salvar. E a partir do momento em que ela um dia entregou sua vida a Jesus, essa vida era e é dele, não importa o quanto ela mesma estivesse no tempo da dor e do sofrimento, mantido ou perdido da consciência dessa realidade! Por certo todos os conceitos que vocês têm sobre o assunto os tornem agora preconceituosos com minha resposta, mas ela esta dada. Jesus disse: - “aquele que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora”. Esse “de maneira nenhuma” é muito mais amplo que podemos imaginar, e muito mais delicado, é na realidade como tocar a alma de Deus, a essência divina. A profundidade da morte sacrifical de Cristo traz com certeza Tudo à Reconciliação com Deus, Ele veio salvar os doentes, os pecadores, os abatidos, os derrotados, os infelizes, os estropiados, os impotente, incompletos, os fracos, e ela nesse momento foi a que se mostrou mais fraca, tão fraca que dependia tão somente de fugir e enfrentar o seu Juízo no qual esperava mais Justiça do que as que conseguiu desfrutar, alcançar, vislumbrar ou confiar e esperar nessa vida, e no seu inferno.
Não estou fazendo apologia ao suicídio, mas tão somente dizendo que mergulhada na culpa, nos medos, nas inseguranças, nas frustrações, na auto-acusação, ela se permitiu punir-se a si mesma, com a única coisa que julgava merecida, a morte, pois era escrava do “bem e do mal” e no bem e no mal, os únicos frutos estão sujeitos aos conceitos exteriores, dos homens, da sociedade, da religiosidade que sempre há de catalogar nossos atos entre o certo ou o errado, e sempre estarão em conflitos, com algum desses grupos sendo passiveis de punição por uns ou por outros. Daí o peso da critica, o peso do julgamento, da condenação que muitos não conseguem suportar.
Tantos suicidam, e continuam em nosso meio e não os condenamos, nem os julgamos, nem nos preocupamos se estão ou não no inferno.
Às vezes nós mesmos vivemos como “mortos”, por essa razão se diz: - “Levanta, desperta, sai de dentre os mortos e Cristo te iluminará”; tantos tem sido chamados à Graça da Vida em Cristo, e se chafurdam como porcos no lamaçal do legalismo religioso, vivendo uma aparência espiritual de quem esta vivo, têm nome de vivos, mas estão mortos, e não dizemos que estão no inferno! Até aplaudimos, elogiamos, suas encenações farisaicas hipócritas, mas não dizemos que estão no inferno.
Quantos estão vivendo a vida de mortos em delitos e pecados, como filhos das trevas, adulterando, roubando, mentindo, prostituindo-se, porfiando, invejando, maldizendo, julgando, condenando e se matando todos os dias numa religiosidade suicida, e não dizemos a eles que estão INDO PRO INFERNO!
Ela já saiu do inferno!
Do inferno da rejeição, do inferno da angustia, do inferno do medo que a envolveu, mas foi pra ela que Cristo veio. Agora é entre ela e Ele. Ela acreditou que não seria rejeitada por Ele, e acovardando-se diante do mundo e das circunstâncias, ousou ir enfrentar o seu julgamento.
Naquele instante uma brisa veio do mar, entrou pela sala e um refrigério foi sentido por todos que estavam conosco.
Prossegui. Não nos cabe julga-la nem mesmo perscrutarmos o insondável, mas precisamos olhar Deus além dos nossos limites e conceitos, ou todos estaremos como ela. Se o que podemos receber de Deus estiver limitado ao que concebemos de Deus, ou somos os mais miseráveis auto-enganados do universo todo, ou o Deus que dizemos conhecer é um anti - deus incapaz de ser além do que o homem admite que ele seja.
Existe sim um inferno, mas não somos nós os determinadores da sua existência no espaço e no tempo, nem somos nós os determinadares daqueles que hão de habita-lo no tempo e no espaço de sua existência.
Estivemos em silencio por alguns instantes. Com certeza revimos e revisamos nossos conceitos de comunhão com Deus, e até mesmo nossa própria vida suicida!
Depois abracei aquelas duas vidas, como quem abraçava as mais inocentes crianças, e os abençoei.
A noite quente de verão, mostrava o céu com muitas estrelas incontáveis como a multidão dos filhos de Deus, salvos e remidos pelo sangue de Jesus Cristo, com as mais variadas histórias de sofrimento e angustia, que encontraram nos braços do Pai, o verdadeiro acolhimento e aceitação, e que podem declarar: - Foi só Pela Graça!
A Casa do Oleiro continuou aberta, outras pessoas chegaram , e eu mesmo sentia que algo novo estava sendo moldado em mim.
Jcarlos Flor - Daniel
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